terça-feira, 8 de março de 2011

Atirei um Limão N'água

Carlos Drummond de Andrade

  • Atirei um limão n’água e caí n’água também, pois os peixes me avisaram, que lá estava meu bem.
  • Atirei um limão n’água, foi levado na corrente. Senti que os peixes diziam: Hás de amar eternamente.
  • Atirei um limão n’água, não fez o menor ruído. Se os peixes nada disseram, tu me terás esquecido?
  • Atirei um limão n’água, pedindo à água que o arraste. Até os peixes choraram porque tu me abandonaste.
  • Atirei um limão n’água, antes atirasse a vida. Iria viver com os peixes a minh’alma dolorida.
  • Atirei um limão n’água, de tão baixo ele boiou. Comenta o peixe mais velho: Infeliz quem não amou.
  • Atirei um limão n’água, fez-se logo um burburinho. Nenhum peixe me avisou da pedra no meu caminho.
  • Atirei um limão n’água mas depois me arrependi. Cada peixinho assustado me lembra o que já sofri.
  • Atirei um limão n’água mas perdi a direção. Os peixes, rindo, notaram: Quanto dói uma paixão!
  • Atirei um limão n’água e caiu enviesado. Ouvi um peixe dizer: Melhor é o beijo roubado.
  • Atirei um limão n’água e fiquei vendo na margem. Os peixinhos responderam: Quem tem amor tem coragem.
  • Atirei um limão n’água.Foi tamanho o rebuliço que os peixinhos protestaram:Se é amor, deixa disso.
  • Atirei um limão n’água,caiu certeiro: zás-trás.Bem me avisou um peixinho:Fui passado para trás.
  • Atirei um limão n’água,de clara ficou escura.Até os peixes já sabem:Você não ama: tortura.